Com uma penada, a
Justiça de São Paulo colocou em risco dois direitos fundamentais
para a vida em um Estado democrático de Direito: o de informar
corretamente e o de ser bem informado.
Foi esse o sentido do
acórdão votado por unanimidade no Tribunal de Justiça de São
Paulo, que atribui culpa "exclusivamente" ao repórter
fotográfico Alex Silveira por ele ter levado um tiro de bala de
borracha no olho esquerdo enquanto registrava um protesto de
servidores na avenida Paulista, em 2000. Disparado pela Tropa de
Choque da Polícia Militar, o projétil deixou o fotógrafo cego de
uma vista.
Diz o texto do acórdão
que, ao se manter "no meio" do conflito entre manifestantes
e policiais, Alex Silveira "colocou-se em quadro no qual se pode
afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual
foi vítima".
É claro que repórteres
podem fazer suas reportagens por telefone, que fotógrafos podem
cobrir manifestações voando de helicóptero ou operando o
"joystick" de um drone. Se procedessem assim, jamais se
colocariam "no meio" de conflitos.
A melhor tradição do
jornalismo, contudo, privilegia o colocar-se "no meio" do
cenário dos acontecimentos para, assim, narrar com mais precisão e
verossimilhança os enfrentamentos que ocorrem e que constituem a
própria matéria-prima da notícia. Ou alguém imagina que Euclydes
da Cunha (1866-1909) poderia escrever "Os Sertões" sentado
em uma escrivaninha na sede do jornal "O Estado de S. Paulo"?
"Estar no meio"
é missão do jornalismo, do jornal e dos jornalistas, que, aliás,
por isso mesmo, compõem o que se chama de "media", ou, em
bom português, meio. Só os inimigos da liberdade de informar e de
ser informado podem imaginar que se possa produzir jornalismo de
qualidade e com alto grau de confiabilidade "de longe".
A decisão da Justiça
de São Paulo embute mais um sério agravante. É o que dá à
Polícia Militar --a quem caberia garantir a segurança nas
manifestações-- um salvo-conduto para a truculência e a violência
sem limites, inclusive atacando jornalistas quando no estrito
cumprimento do dever de informar.
É sabido que, de junho
de 2013 até hoje, 190 jornalistas foram agredidos durante
manifestações --88% deles foram vítimas de abusos cometidos por
policiais. Preocupa-nos a escalada de violência da PM contra as
manifestações populares e, em seu bojo, as evidências de que as
forças policiais passaram a atingir deliberadamente jornalistas,
tentando impedir que registrem abusos e ilegalidades.
A decisão do Tribunal
de Justiça no caso do fotógrafo Alex Silveira dá cobertura aos
abusos da polícia e abre precedente inaceitável para que esse tipo
de violência prossiga e, quem sabe, até se agrave.
Por isso, consideramos
imperioso que as instâncias da Justiça brasileira reformem a
infeliz, gravíssima e injusta decisão tomada pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo. Os jornalistas e repórteres fotográficos
prestam solidariedade ao colega Alex Silveira e desejam que o Estado
seja responsabilizado por essa terrível agressão ao nosso
companheiro e à liberdade de imprensa.
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Este artigo foi
publicado no jornal Folha de S. Paulo, na coluna Tendências/debates
(pág. 3, edição de 26 de setembro de 2014) assinado por José
Augusto de Camargo e Rubens Chiri, na qualidade de presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e
presidente da Associação dos Repórteres Fotográficos e
Cinematográficos do Estado de São Paulo. A ideia central foi
aprovada por jornalistas em reunião na sede do Sindicato, recebeu
adendos, sugestões e propostas de várias pessoas e finalizado para
ser distribuído como uma espécie de manifesto de protesto contra a
decisão. O texto foi traduzido para o inglês e espanhol para
divulgação internacional.
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