Em um período em que
todas as publicações semanais atrasam o fechamento a espera do
resultado da eleição presidencial que ocorre no domingo, a Veja
adianta sua edição para quarta-feira. O motivo da mudança seria um
“furo” de reportagem sobre o esquema de corrupção na Petrobras
que envolveria a candidata a reeleição Dilma Roussef e o
ex-presidente Lula, ambos do Partido dos Trabalhadores.
A “reportagem” é
construída sobre uma declaração do doleiro Alberto Youssef, preso
na operação Lava-Jato, juntamente com o ex-diretor da estatal Paulo
Roberto Costa, dado a um delegado, um procurador e seu advogado (que
não tem os nomes revelados no texto) onde afirma, segundo diálogo
transcrito pela revista na página 61:
“Perguntado sobre o
nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na
Petrobras, o doleiro foi taxativo:
– O planalto sabia
de tudo!
– Mas quem no
Planalto? - perguntou o delegado.
–Lula e Dilma -
respondeu o doleiro.”
Não há mais nenhuma
declaração em toda a matéria, nem do advogado, nem de autoridades,
muito menos dos supostos acusados que não tiveram o direito de se
defender, o que fere um dos princípios básicos do jornalismo que é
o de ouvir os dois lados envolvidos em uma questão.
Mas isto é apenas um
detalhe, a própria revista admite “O doleiro não apresentou – e
nem lhe foram pedidas – provas do que disse” (página 61).
É isto mesmo, caro
leitor, tudo pode ser uma grande mentira dita em um depoimento que
deveria ser sigiloso e cujo objetivo não é o de acusar ninguém,
mas sim o de reunir, segundo palavras da própria revista em sua
Carta ao Leitor, “revelações, indícios, provas e pistas úteis
para a investigação”. Apesar do cinismo a dúvida paira sobre a
redação que, talvez traída pelo subconsciente, se questiona; “É
verdade tudo o que Costa e Youssef dizem?” para responder em
seguida “Como beneficiários da delação premiada, eles não têm
vantagem alguma em mentir”. Ou seja, admitem que tudo pode uma
farsa. Mas, então, mesmo sabendo disto, por que a Editora Abril
resolveu bancar esta aventura editorial?
A questão não está
no jornalismo, mas na campanha eleitoral. O depoimento do jornalista
Luiz Carlos Azenha, que cobriu a eleição de 2006 pela Rede Globo, é
bastante esclarecedor;
“Percebi
pessoalmente, então, como funcionava o esquema: a Veja
apresentava as denúncias, o Jornal Nacional repercutia e os
jornalões entravam no caso no fim-de-semana. Era uma forma de
colocar a bola para rolar. Depois, se ficasse demonstrado que as
denúncias não tinham cabimento, o estrago estava feito. Quando
muito, saia uma notinha aqui ou ali. Nunca, obviamente, no Jornal
Nacional ou com o mesmo alcance.” (leia AQUI)
Eis a resposta, era
necessário armar o circo a tempo para que a denúncia pudesse ser
usada no debate entre Aécio e Dilma na sexta-feira, organizado pela
parceira Rede Globo, o que, aliás, aconteceu.
Vista por este ângulo,
a situação é tão óbvia que acaba por incomodar a própria
revista que veste a carapuça e tenta se explicar em dois momentos
distintos: “VEJA publica essa reportagem às vésperas do turno
decisivo das eleições presidenciais obedecendo unicamente ao dever
jornalístico de informar” (página 12) e “VEJA não publica
reportagens com a intenção de diminuir ou aumentar as chances de
vitória deste ou daquele candidato, VEJA publica fatos com o
objetivo de aumentar o grau de informação de seus leitores sobre
eventos relevantes” (página 58).
A saia justa também
esta explícita no box da página 65 (Quem delata pode mentir?) que
começa com o seguinte frase: “A delação premiada tem uma regra
de ouro: quem a pleiteia não pode mentir”. Em outra situação
estas palavras poderiam apenas trair a ingenuidade do repórter, mas,
nas páginas desta edição é mais uma tentativa de afirmar como
verdadeiro o que ainda não foi provado.
Desta vez o blefe da
editora Abril foi muito alto e a direção editorial enviou um recado
nada sutil ao poder judiciário. Temendo que a campanha de Dilma
Roussef tentasse impedir a circulação da matéria apelando ao
Tribunal Superior Eleitoral sob a alegação de que se trata de
propaganda eleitoral, a revista publicou na mesma edição análise
de André Petry onde o presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, é
chamado de “censor de toga” (página 75). Em outra situação
estas palavras poderiam apenas significar uma tosca tentativa de
intimidação, mas nesta edição trata-se de uma manobra para
antecipar a defesa, caso fosse necessária. Imaginem o escândalo
que seria feito se o Tribunal tivesse acatado o pedido feito pela
equipe do PT.
A cobertura tendenciosa
e a manipulação de dados, por incrível que pareça, ainda é mais
escancarada no texto Os 10 ataques que envenenaram a campanha (pagina
68), onde a abertura dá o tom do conteúdo “O PT distorceu fatos,
falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de
informações, jogando o nível da disputa na lama”. Todos os
ataques partem, obviamente, do PT, enquanto o PSDB mantém uma
candura inabalável, pois, a acreditar na reportagem, Aécio Neves
jamais teve uma atitude que merecesse ao menos uma crítica.
Em seu último programa
eleitoral gratuito a candidata do PT desabafou "Sou defensora
intransigente da liberdade de imprensa. Mas a consciência livre da
nação não pode aceitar que, mais uma vez, se divulgue falsas
denúncias no meio de um processo eleitoral em que o que está em
jogo é o futuro do Brasil. Os brasileiros darão sua resposta à
Veja e seus cúmplices nas urnas. E eu darei a minha resposta a eles
na Justiça".
Mas a revista Veja
ainda guarda um brinde surpresa, uma matéria especial de 20 páginas
sobre a escassez de água onde há uma única menção à Sabesp e
ao governo de São Paulo, acusado por opositores de manipular dados
para esconder o problema durante as eleições. “Apenas em 2012, 1
trilhão de litros de água foram perdidos em ligações
clandestinas, os 'gatos', que afetam a infraestrutura da Sabesp, a
companhia de saneamento de São Paulo” (página 95). É
inacreditável, na opinião da Editora Abril a empresa não só não
tem nada a ver com o problema da água como ainda é vítima da
situação.
Por isso tudo é que
digo que esta edição vai entrar para a história do jornalismo.
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