segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O valor da edição nos jornais



Naturalmente o leitor médio dos jornais não conhece os detalhes do processo de produção pelo qual passa a informação até sua materialização na edição impressa. Mas algumas coisas são bastante óbvias. A primeira delas é que a informação é hierarquizada antes de ser apresentada nas páginas impressas, ou seja, a reportagem que abre uma página é considerada pelos editores como sendo de maior importância que os pequenos textos publicados no pé da mesma e, consequentemente, a capa da edição apresenta um resumo daquilo que é mais relevante no dia.


O Valor Econômico de 3 de setembro de 2015 (quinta-feira) quebrou esta regra. A matéria de mais destaque na capa do jornal; “Crise e juros altos derrubam rentabilidade das empresas”, foi publicada no rodapé da página B2 (caderno de Empresas). Estranhamente, a mesma página é aberta com a reportagem “Brasil tem potencial a explorar em óleo e gás” que sequer é mencionada na primeira página do jornal. E olha que a capa apresenta nada menos que 20 chamadas, todas, a julgar pela análise do editor, mais importantes que a manchete da página B2.

A matéria “menos importante” da página B2 traz uma reportagem com o economista norueguês Svein Harald Oygard, diretor da área de óleo e gás da consultoria McKinsey, que foi vice-ministro das Finanças da Noruega e presidente interino do Banco Central da Islândia. O curioso é que o norueguês elogia o país. Por exemplo, ele afirma coisas como: “o Brasil é um dos maiores mercados do mundo”; “em vários setores, ao se considerar o ranking dos mercados pela possibilidade de crescimento, o país aparece no topo”; É o país onde todo mundo precisa estar”; “a produtividade de Gavião Real (gás natural), no Maranhão, é melhor do que a encontrada nos Estados Unidos”; “existem poucos países no mundo com tantas possibilidades de reverter sua situação como o Brasil” e, ao final conclui; “Não levaria mais de dois ou três meses para mudar esta situação”.

É claro que ele também aponta erros da política econômica e falhas na regulamentação que inibem o investimento, mas no geral, o que lhe chama a tenção é que “o que vemos aqui é que a única coisa que as empresas enxergam são problemas”.

Declarações como estas, feitas por um economista com as suas credenciais, em qualquer jornal sério de economia em qualquer país do mundo seria alvo de destaque, por aqui, ficou escondida no interior da edição. Ou seja, análise positiva em momento de crise econômica não é notícia importante.

Já na página B5 da mesma edição, segue uma reportagem em que a agência de classificação de risco Moody's faz uma comparação entre a nossa Sabesp e o departamento de água e Energia de Los Angeles, segunda cidade dos Estados Unidos, que também enfrenta “severa crise hídrica”.

A comparação é desfavorável aos brasileiros. A empresa americana tem estoque de água para 18 meses contra apenas 6 dos paulistas, por aqui “a poluição comprometeu o suprimento de água”, a Sabesp apresenta um “histórico de endividamento”, enquanto que para os californianos está previsto a “manutenção da qualidade de crédito pelo menos até o ano fiscal de 2017”. Em suma, o relatório conclui que “A continuidade da seca terá impactos negativos sobre a qualidade do crédito da Sabesp”, ou seja, pode faltar dinheiro para manutenção da empresa, o que pode piorar ainda mais os serviços.

Esta reportagem não tem chamada de capa, o que quer dizer que também não é muito importante.

O assunto que aparece destacado na primeira página de um jornal não é resultado de uma escolha aleatória, é uma decisão do editor, ou seja, traduz uma opinião e uma orientação política. A função do noticiário econômico é a de apresentar informações objetivas para que o empresariado possa avaliá-las e se posicionar no cenário atual. Não é lógico que um jornal especializado em economia prioriza apenas manchetes que destacam a crise econômica e escondam avaliações que relativizem a questão e possam apontar opções (inclusive de bons negócios).

O risco, neste caso, é o de desinformar seus leitores e influenciar negativamente suas decisões. A não ser que a ideia seja esta. E não é a primeira vez que acontece coisa semelhante. Em 21 de agosto de 2015 a sessão de Opinião (pág. A11) publicou um texto de John Paul Rathbone, editor de assuntos sobre a América Latina do Financial Times com o título “Brasil faxina a corrupção, o México não” onde, após analisar corrupção nos dois países e as consequências do escândalo da Petrobras conclui que isto “representa a possibilidade de um novo rumo”, o que não enxerga no México. No mesmo dia, na página anterior (A10), um artigo de dois economistas brasileiros, Edmar Bacha e Regis Bonelli, também comparam os dois países. Com o título Por que o Brasil e México não ficam ricos? Os autores apresentam os problemas econômicos dos países e, entre posições favoráveis a um e a outro, afirmam algumas questões que reforçam o discurso petista; de que a desigualdade de renda diminuiu e que a informalidade na economia “declinou substancialmente” no Brasil.

Da leitura destes textos surge uma visão bem menos catastrófica sobre a realidade nacional do que aquela divulgada cotidianamente, mas nenhuma delas foi apresentada na capa da edição. E para não fugir a regra, a matéria onde o presidente da Agência Nacional de Água (ANA), Vicente Andreu (pág. A3) classifica a gestão da crise hídrica pelo governo do Estado de São Paulo como “ineficiente” também não teve chamada na capa do jornal (*).

No jornal Valor Econômico, parece que notícias que possam soar como favoráveis à situação nacional (ao governo federal? à presidente? ao seu partido?) não tem muito destaque, mas, em compensação, negativas em relação ao governo do estado de São Paulo (PSDB? Alckmin?) também não.

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(*) Em 7 de agosto de 2015, o Valor publicou uma entrevista de página inteira com o diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) Luiz Guilherme Schymura (“Não foi por decisão de Dilma que o gasto cresceu diz Schymura” - pág. A4), que, sob alguns aspectos pode ser vista como positiva em relação ao governo. O texto teve chamada na parte e baixo da capa e terminava com uma espécie de desculpa para ele estar ali: Schymura destaca que o Ibre não tem opinião. “É por isso que tento me manifestar o mínimo. Quero atrair as várias correntes do pensamento para melhorar o entendimento da economia do país”.

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