segunda-feira, 11 de abril de 2016

Caçando bruxas na imprensa


Não parece exagero dizer que há uma espécie de macartismo(*) rondando as redações brasileiras. O controle da informação por parte das empresas jornalísticas pode não ser uma prática nova, mas a situação - para os jornalistas - se agravou com o período eleitoral quando a disputa política entre as candidaturas de Aécio Neves (PSDB) e Dilma Roussef (PT) chegou ao ápice durante o 2º turno. Agora, em 2015, com a campanha pelo impeachment a situação fica ainda mais dramática.

Por estas e outras, o papel da imprensa tem sido muito debatido. As grandes empresas jornalísticas, tanto no setor impresso quanto no de rádio e TV, são identificadas com os interesses conservadores e acusadas pelos setores progressistas de fomentar um golpe. O debate alcançou as ruas onde o slogan "abaixo a Rede Globo, o povo não é bobo" é ouvido em todas as manifestações em defesa da ordem constitucional. Neste cenário, os jornalistas, empregados dos conglomerados da mídia, são muitas vezes também hostilizados. Os jornalistas e os comunicadores em geral estão no olho do furacão.

Neste quadro passa a ser corriqueiro denúncias de que o trabalho da imprensa é cada vez mais controlado e manipulado pelas direções alinhadas com os setores golpistas.
 
Segundo notícia publicada pelo site 254, em outubro de 2014, o jornal O Globo, com sede no Rio de Janeiro, afastou por três meses a editora de País, Fernanda da Escóssia, responsável pela cobertura eleitoral por ela não produzir uma cobertura tão "hardy, anti-Dilma e anti-PT, como a desejada pelos donos". Segundo o site: “Fernanda vinha tendo conflitos diários com a editora executiva Silvia Fonseca” e que “Após um bate-boca que durou cerca de uma hora, foi decidido que Fernanda ficará de licença por três meses”.

Em 9 de janeiro de 2015, o Portal Imprensa publica reportagem sobre demissões no jornal, entre as quais a de Fernanda Escóssia. Veja matéria AQUI

Outra vítima do dirigismo midiático foi o comentarista Xico Sá, do jornal Folha de S. Paulo, que pediu demissão após ser proibido de declarar voto em Dilma Rousseff em sua coluna no jornal. O texto seria publicado na edição de sábado (11/10/2014) mas foi vetado pela direção. A história foi relatada pelo site 247 (Ver AQUI). No mesmo dia ele publicou várias mensagens em seu tuiter sobre o episódio e entre elas,  às 00:18, uma bastante reveladora; “um dia ainda vou contar tudo q a imprensa ñ deixa sair se for contra a orientação política dos grandes jornais. só podem os reinaldões etc”.

Durante o período eleitoral, um dos mais contundentes protestos contra a manipulação midiática foi feita pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais em 15 de outubro de 2014. Em vídeo, o presidente do Sindicato afirma que nos principais jornais do Estado se vê “uma manipulação completa das informações (…) uma parcialidade muito grande para privilegiar a candidatura do ex-governador Aécio Neves”. Veja o vídeo AQUI

Mais recentemente, em novembro de 2015, o jornalista Sidney Rezende foi demitido da GloboNews em uma sexta-feira 13 depois de 20 anos de trabalho na emissora. Um dia antes da demissão ele divulgou em seu perfil no Facebook o seguinte texto: “A obsessão em ver no Governo o demônio, a materialização do mal, ou o porto da incompetência, está sufocando a sociedade e engessando o setor produtivo”. E continuou: “O Governo acumula trapalhadas e elas precisam ser noticiadas na dimensão precisa. Da mesma forma que os acertos também devem ser publicados. E não são. Eles são escondidos. Para nós, jornalistas, não nos cabe juízo de valor do que seria o certo no cumprimento do dever”.

Meses depois, em 27 de fevereiro, em uma premiação dos melhores do Carnaval do Rio de Janeiro, organizada por seu site SRZD, Rezende faz um discurso onde diz: "A Globo não é dona do Brasil, a Globo não é dona do futebol, a Globo não é dona do Carnaval", que a emissora está "impedindo que as expressões populares do nosso país funcionem de uma maneira mais clara". Veja o vídeo AQUI 

Em ato no Sindicato dos Jornalistas realizado em 7 de abril deste ano, por ocasião das comemorações do Dia do Jornalista, a jornalista Barbara Gancia que se encontrava na plateia conversou com colegas sobre sua demissão: “Fui demitida da Band porque me recusei a pegar leve com o Eduardo Cunha. Um belo dia recebo uma orientação: você não pode falar do Eduardo Cunha porque ele é primo do Johnny Saad (dono da emissora). Como assim? Eu sou comentarista, jamais podia aceitar uma coisa dessas”. O desabafo foi registrado pelo site DCM. Ver AQUI 

A última baixa computada se deu em 5 de abril quando Silvia Poppovic, após participar como comentarista do Jornal da Manhã, foi comunicada pela direção da rádio Jovem Pan que estava demitida. Segundo o site Pragmatismo Político ela teria exclamado "fui pega de surpresa" e "Não sei se houve alguma motivação política". Quando substituiu a polêmica jornalista Rachel Sheherazade no programa, em outubro de 2015, Silvia Poppovic deixou clara sua posição; “Quando entrei, eu falei que não fazia este perfil, mas poderia fazer contrapontos” (Leia AQUI). Dado ao clima do momento, as especulações sobre o caráter político da demissão foram frequentes nas redes sociais.
 
Naturalmente as empresas se defendem das acusações, mas, tendo em vista a declaração feita em 18 de março de 2010 pela então presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, em uma reunião na Fecomércio do Rio de Janeiro na qual afirma que “Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”. A suspeita de que há uma orquestração dos grandes veículos de comunicação contra o governo não soa absurda. Inclusive, a declaração foi publicada pela grande imprensa que, talvez, em um ato falho, não se tenha dado conta de seu real impacto junto à sociedade civil. Ver AQUI.

Partindo deste histórico fica difícil acreditar que a cobertura da mídia sobre a crise política do governo Dilma e o golpe é objetiva, isenta ou imparcial. É muito mais plausível a hipótese de que seus interesses políticos e empresariais estão direcionando o noticiário. E os jornalistas estão, gostem ou não, envolvidos nesta trama. Dada as circunstâncias, não resta a menor dúvida de que recuperar a credibilidade, a importância profissional e a ética passam a ser deveres dos jornalistas.

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(*) Macartismo - termo cunhado a partir das ações do senador americano Joseph McCarthy para descrever o período de perseguição aos comunistas nos Estados Unidos pelo governo. Com o tempo passou a significar qualquer ato político ou campanha que desrespeite os direitos civis de um grupo progressista.

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