Imediações da Praça da República, no centro de São Paulo, no dia da greve
No dia 28 de abril de 2017 a população brasileira realizou o que
foi considerado por muitos a maior greve geral da nossa história. No
entanto, a chamada grande imprensa tratou o caso como sendo um dia de
caos no transporte público (em São Paulo ônibus, metro, trem e
aviões pararam), potencial fonte de prejuízo econômico e motivo de
incômodo para a classe média, além de enfatizar casos de violência
e vandalismos.
Sobre a real motivação da greve muito pouco.
Não demorou muito para que as redes sociais passassem a comentar
este fato e a comparar a cobertura nacional com a realizada por
veículos de comunicação de outros países. A diferença no enfoque
era clara, os jornais de fora procuravam entender os motivos por trás
da paralisação, suas motivações políticas e econômicas e as
possíveis consequências.
O jornalista Altamiro Borges, no texto “Imprensa mundial humilha
a mídia nativa”, compara a cobertura local com a internacional:
O jornal
estadunidense The New York Times, por exemplo, publicou longa
reportagem com o título “O Brasil se mobiliza contra a
austeridade”. O veículo, que já serviu de bíblia para a mídia
nativa, afirma que a greve foi nacional e paralisou transportes,
bancos, fábricas e escolas. Já o alemão Deutsche Welle afirma em
sua manchete que “Brasileiros se mobilizam pela democracia” e
lembra que a última greve geral no Brasil ocorreu em 1996, no
governo FHC. O veículo explica que o protesto foi as reformas
propostas “pelo governo conservador do presidente Michel Temer”.
Já o espanhol El País estampa no título: “Greve geral desafia as
reformas do governo brasileiro". O francês Le Monde destaca:
“Greve histórica”. A rede britânica BBC registra: “Primeira
greve geral em duas décadas”. Até o conservador Clarín, da
Argentina, foi mais honesto do que os jornais nativos. (Leia AQUI a
íntegra do artigo)
Seria a imprensa brasileira incompetente, desonesta ou passaria
por um momento de grave crise institucional?
Esta dúvida angustiante nos remete a conhecida frase que diz ser
o jornalismo o exercício da busca da verdade. Como a conceituação
do que é a verdade, do ponto de vista filosófico, é uma tarefa
complexa, ou até utopia, o jornalismo desenvolveu algumas técnicas
para tentar se aproximar ao máximo do que vem a ser a realidade.
Assim, o fazer jornalístico se construiu a partir da coleta dos
fatos, da objetividade da narrativa e dos dados concretos disponíveis
sobre o assunto em pauta, no entanto, a complexidade da missão de
traduzir o real faz com que o jornalista se depare, na prática, com
versões, análises e opiniões. A partir desta constatação se
estabeleceu outra máxima do jornalismo; a de que se deve dar,
sempre, os dois lados de uma questão.
No entanto, existe outro problema. Geralmente quem transmite a
informação jornalística não é um profissional isolado, mas sim
uma empresa de comunicação de massa. No Brasil o mercado da
informação de massa é dominado por poucas e grandes empresas que
formam um oligopólio que funciona segundo as leis tradicionais do
mercado, com interesses políticos e econômicos particulares.
Naturalmente os interesses empresariais não coincidem com os dos
jornalistas nem com os da maioria do cidadão consumidor de
informação.
Isso que dizer que a informação divulgada não é pautada por
aqueles princípios fundadores do jornalismo, mas, sim, intermediada
pelos interesses empresariais, o que se traduz em seleção e
controle do que é veiculado. Esta é a verdadeira crise do
jornalismo. Não se trata de revolução tecnológica, mudança de
hábitos da população ou encolhimento de mercado (publicitário e
leitor) causado pela crise econômica, o motivo central da alegada
crise do jornalismo brasileiro é a traição das grandes empresas de
comunicação aos princípios do bom jornalismo.
As duas grandes vítimas desta traição são os cidadãos que não recebem uma informação qualificada e os jornalistas, que são mutilados, cerceados e impedidos de realizar plenamente sua profissão. Isso significa desprestígio social do profissional, sua desvalorização, inclusive salarial e questionamento sobre a própria importância social do jornalismo. O resultado deste estado de coisas é uma profunda antipatia da população para com a imprensa, que se traduz em rejeição ao profissional que ela identifica como responsável pela notícia, ou seja, o jornalista.
As duas grandes vítimas desta traição são os cidadãos que não recebem uma informação qualificada e os jornalistas, que são mutilados, cerceados e impedidos de realizar plenamente sua profissão. Isso significa desprestígio social do profissional, sua desvalorização, inclusive salarial e questionamento sobre a própria importância social do jornalismo. O resultado deste estado de coisas é uma profunda antipatia da população para com a imprensa, que se traduz em rejeição ao profissional que ela identifica como responsável pela notícia, ou seja, o jornalista.
Esta é a razão pelas quais profissionais experientes são
questionados, infelizmente até agredidos fisicamente, em alguns
episódios de cobertura de grandes eventos de massa. Na visão dos
manifestantes, os jornalistas estão lá, não para traduzir os
acontecimentos para o restante da sociedade, mas, para, distorcê-los
segundo o interesse do mundo empresarial e político.
Os jornalistas sabem disso. É por isso que muitos jornalistas
respeitados, por opção ou por não aceitarem a submissão a este
sistema, se encontram fora das grandes redações lutando para ganhar
a vida e fazer jornalismo em pequenos veículos ou pela internet.
Neste período temeroso de nossa história onde trabalhadores se
organizam para construir um futuro justo e solidário e resistir ao
desmontes de seus direitos sociais o jornalismo deve ser exercido em
sua plenitude ou não se justifica e dá razão aos que advogam que a
imprensa entra em uma espécie de crise final. Ninguém constrói uma
história digna traindo seus princípios.
Abaixo você pode ler mais sobre a cobertura da greve
Marcelo Auler - O bom jornalismo aderiu à greve (com acesso às análises de outros jornalistas)
http://marceloauler.com.br/o-bom-jornalismo-aderiu-a-greve/
Ricardo Kotscho - A vitória dos black blocs: a quem interessa?
http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/a-vitoria-dos-black-blocs-a-quem-interessa/2017/04/29/
Mauro Santayana – A greve geral e o discurso único
http://www.maurosantayana.com/2017/04/a-greve-geral-e-o-discurso-unico.html
Renato Rovai – Globo e Record fecham acordo e usam o mesmo vocabulário para definir greve geral
http://blogdorovai.revistaforum.com.br/2017/04/28/globo-e-record-fecham-acordo-e-usam-o-mesmo-vocabulario-para-definir-greve-geral/
Paulo Moreira Leite – Globo faz jornalismo ruim e culpa greve geral
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/292884/Globo-faz-jornalismo-ruim-e-culpa-greve-geral.htm
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PS – Para terminar narro uma pequena história. No início da
semana em que ocorreu a greve geral parei em um estabelecimento no
centro de São Paulo para tomar um café. Sob o balcão havia um
panfleto convocando a greve, aproveitando a deixa puxei conversa com
a atendente sobre o assunto. A moça afirmou que a mobilização
estava forte, que todos os clientes comentavam, que o centro deveria
parar e que concordava com o protesto pois a situação não estava
fácil e a proposta de mudança na aposentadoria era muito ruim. Ao
final comentou, “ouço isto todo dia, menos na televisão”.
Bingo!
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