quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Na Globo não somos racistas


Na quarta-feira (8 de novembro) o vazamento de um vídeo nas redes sociais culminou com o afastamento do âncora da Rede Globo William Waack. As imagens mostram o jornalista, ao lado de um entrevistado, reclamando do barulho que se ouve ao fundo quando afirma que aquilo “é coisa de preto”. O vídeo, naturalmente, teve grande visibilidade e repercussão, gerando uma onda de indignação e protesto. O episódio, segundo comentários postados pela Internet, revelaria a intolerância, natureza autoritária e conservadora de Waack, desmascarando a fleuma quase britânica com a qual tenta se apresentar.


O episódio também ensejou uma nota pública da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que pode ser conhecida AQUI

No mesmo dia a Rede Globo afastou o comentarista e emitiu nota onde afirma: “A Globo é visceralmente contra o racismo em todas as suas formas e manifestações. Nenhuma circunstância pode servir de atenuante”. O que poderia ser apenas um episódio constrangedor que a direção da empresa resolveria da forma mais discreta possível se tornou – isso é inegável – um escândalo nacional graças a internet. A sociedade – sob este ponto de vista – utilizando a abrangência das novas mídias fez o gigante da comunicação se curvar. Mas, o que será alardeado pelos liberais do mercado é que a emissora agiu com presteza na defesa dos valores sociais e democráticos. 


Na verdade, as duas explicações são simplificadoras e não dão conta da real abrangência do ocorrido. Mas – e sempre se pode contar com um mas – existem outros ângulos pelo qual se pode analisar o ocorrido.


O caso foi filmado há um ano quando da cobertura das eleições nos EUA. Foi gravado nas dependências da Globo por alguém da equipe, ou com acesso livre junto á equipe, guardado durante todo esse período e divulgado somente agora.


A pergunta óbvia é por que só agora?


Podemos levantar algumas hipóteses.


Uma explicação tem origem nas esferas mais elevadas da TV. Algum dos desafetos de William Waack , na luta interna por poder e prestígio, resolveu usar a carta que guardava na manga para afastar o oponente. Segundo o jornalista Kiko Nogueira “O episódio deixa evidente que Waack não é detestado apenas fora da emissora — a raiva que guardam dele também está no coração de seus colegas”. (Leia AQUI)


Vindo de instâncias mais modestas podemos avaliar outra motivação. Alguém da TV se sentiu pessoalmente prejudicado pelo jornalista - ou pela própria Globo - e divulgou o vídeo na Internet como uma forma de vingança (veja o episódio do "chupa-folha"). Afinal, somente no mês de outubro passado o grupo Globo demitiu mais de 20 trabalhadores. (ver matéria AQUI)


Estes dois ângulos também são abordados por Renato Rovai em seu blog (leia AQUI)


Os pontos elencados acima talvez ajudem a entender o ocorrido, mas o que realmente deve ser esclarecido é o real motivo da emissora ao tomar atitude tão drástica e imediata em relação a um de seus mais importante porta-voz. Desde quando a poderosa e arrogante Rede Globo se tornou defensora pública de direitos humanos e sociais?


Neste caso só há uma explicação plausível. A preservação da imagem e do negócio. Não é a primeira vez que a emissora se vê envolvida com atitudes racistas. Críticas sobre o papel secundário ocupado por negros nas novelas e na programação em geral (não apenas na Globo) são recorrentes. Além do mais, se aproxima o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro e não interessa a emissora se enroscar ainda mais neste emaranhado. Veja um artigo da escritora, e ativista, Jarid Arraes sob a posição do negro na Globo (ver AQUI).


Também não custa recordar o desgaste que a emissora passou no caso do ator José Mayer, acusado de assédio sexual pela figurinista Susllen Tonani em abril deste ano, que se encontra até agora afastado das produções da casa. O caso fez com que a direção ajustasse seu código de conduta e, segundo informações internas, o processo de mudança ainda estaria em curso, coincidentemente, com o estudo sobre a possibilidade da inclusão no texto de itens relativos às questões raciais. Como pode ser visto, a última coisa que a Globo gostaria de ver é a reedição de um debate público sobre práticas sociais condenáveis em seu ambiente de trabalho.


Outro ponto a ser levado em consideração para entender o caso é o fato de que dias antes, em 31 de outubro, foi realizada em Buenos Aires um encontro entre a Associação Internacional de Radiodifusão (AIR) e a ONU Mulheres onde foi assinado o “Pacto de Mídia; Dê um passo decisivo pela igualdade de gênero”. Apesar de ser focado na questão de gênero, o documento final do encontro, a Carta de Buenos Aires, começa com as seguintes palavras: “Nos somamos à tarefa global de construção de um planeta igualitário, respondendo às origens da discriminação, gerando igualdade de oportunidades e dando passos decisivos para a igualdade substantiva em 2030”.


E não cairia bem, uma semana depois de subscrever o documento, a maior rede do Brasil protagonizar um escândalo envolvendo racismo, até porque o país foi representado na reunião pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), cujo presidente é Paulo Tonet, ligado ao Grupo Globo, onde ocupa o cargo de vice-presidente de relações institucionais.

 
Leia cobertura do encontro AQUI

Tudo isso colaborou para a celeridade da reação da emissora que dessa forma tem sua imagem pública preservada. Mas também não podemos esquecer outro aspecto, um tanto curioso, que deve ter frequentado as conversas internas sobre o ocorrido. Trata-se da grande contribuição dada à sociologia nacional pelo diretor de jornalismo da casa, Ali Kamel, o livro Não somos racistas. Afinal, sua tese não pode ser contestada pela realidade, principalmente quando o desmentido vem do seu próprio local de trabalho. 

Como podemos notar, quando se trata da Rede Globo, o buraco sempre é mais embaixo.

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